segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Conto Bônus da série "Limiar"

A série "Limiar" está passando por algumas alterações, que em breve serão publicadas aqui. Uma delas, é que o conto bônus "O Encontro", será anexado à próxima edição da série. Para quem já a possui, decidi disponibilizar aqui o texto, para apreciação de vocês. E para quem ainda não leu a série, que este texto sirva para aguçar ainda mais a curiosidade de vocês. Esse conto narra a descida de Samael ao inferno, algo que muitos leitores solicitaram incansavelmente. Espero que gostem!!! 

O Encontro
            Samael pousa na areia do deserto, sob o sol escaldante, com o espírito abatido. Sacando sua espada flamejante, exclama:
            - Batharyal, antigo anjo do Senhor, destituído de sua graça perante o Pai, antigo servo de Lúcifer, conhecido como jinni do deserto, como pai dos ladrões, eu, Samael, seu antigo comandante, em nome da essência que nos une, o invoco! – ao término de sua fala, o anjo caído bate com o cabo de sua espada no chão, provocando uma onda sísmica que se estende por muitos quilômetros.
            Os segundos que transcorrem parecem uma eternidade. Samael põe-se em pé e fica fitando o mar de areia à sua frente. De repente, um pequeno redemoinho começa a formar-se diante dele, e pouco a pouco o vento e areia rodopiantes dão lugar à imagem de um homem com imensas e frondosas asas cinzentas em suas costas.
            - Olá Samael. Ouvi dizer que havia saído do Vale dos Sentinelas, mas não esperava tão ilustre visita. A que devo essa honra? – saúda o recém-chegado.
            - Olá Batharyal. Receio que minha visita não seja puramente social. Vim pedir sua ajuda, meu amigo.
            - E no que eu poderia lhe ser útil, após tantos séculos?
            - Eu preciso que você me ensine o caminho para o Inferno, Batharyal. Bem sabes que nunca estive lá e não sei como chegar ao Abismo.
            - E que queres tu por lá? Se é que me permites tamanha curiosidade.
            - Tenho um acordo a propor para Lúcifer.
            - Pensei que já tivessem um.
- Mas eu quero propor-lhe uma mudança nos termos.
- Uma mudança nos termos de Lúcifer? Tenho que admitir que és muito corajoso. Ou burro.
- Talvez um pouco dos dois. Mas diga-me, vai ajudar-me ou não?
- Bom, se queres tão ansiosamente buscar sua destruição...
Após horas de exaustivo voo, Samael afinal enxerga abaixo de si, o vulcão indicado por Batharyal. Sem pestanejar, mergulha velozmente na cratera, lembrando-se das recomendações do jinni. Entretanto, sua velocidade não foi suficiente para escapar de Tiamat, um monstruoso dragão, de três cabeças e asas de morcego, que o atingiu com imensas e incandescentes labaredas de fogo que tomaram seu corpo instantaneamente, provocando ferimentos graves e profundos, preenchendo suas narinas com o cheiro de carne queimada. Suas asas foram consumidas rapidamente, o que o lançou numa queda vertiginosa e torturante. A dor era excruciante e parecia que jamais atingiria o chão. Entretanto, logo seu corpo atingiu o fundo, chocando-se violentamente contra ele, quebrando-lhe muitos ossos, aumentando ainda mais sua agonia.
- Ora, ora, o que temos por aqui? –  Samael ouve uma voz grave dizer acima de si, enquanto sente os ossos voltando ao lugar, a pele e penas regenerando-se, aumentando a dor. Virando-se para encarar seu interlocutor, deparou-se com um corpulento demônio de asas negras, que segurava as rédeas de Cérbero, o cão do inferno.
- Astaroth. – balbuciou, enquanto tentava levantar-se. – Vim para falar com Lúcifer.
- Por que queres falar com Lúcifer? Deveria estar tratando de cumprir sua missão.
- É exatamente sobre isso que quero falar com ele.
Erguendo uma sobrancelha, o guardião dos portões do inferno concorda: - Está bem, acompanhe-me.
Samael obedece e ignorando os protestos de seu corpo imortal que agoniza de dor, passa a seguir Astaroth pelos escuros e tortuosos caminhos que conduzem à região dos condenados, onde milhares de almas humanas gritam e se debatem, imersas em eterno tormento.  Dias pareceram se passar, enquanto eles desviavam das almas que imploravam por ajuda e por alguma espécie de redenção. Quando chegaram às margens do mar de fogo, Astaroth despediu-se dizendo:
- Só posso guiá-lo até aqui. Após sobrevoar o mar de fogo, encontrará uma estrada que o conduzirá até a morada de nossos irmãos.
- Obrigada Astaroth.
- Não me agradeça Samael, receio que o trouxe até o local de seu descanso eterno.
Samael acenou com a cabeça e alçou voo sobre a lava incandescente que separava a região dos condenados da morada dos jinnis. Mesmo para ele, o calor era insuportável e o vapor que o líquido exalava queimava suas recém-curadas feridas, causadas pelas chamas do dragão e pela queda. Respirou aliviado quando afinal tocou a outra margem e avistou uma estrada de tijolos amarelos que conduzia a um imponente castelo. Estava cansado, mas recusou-se a parar. Caminhou decidido até atingir os portões do palácio, aonde havia outro guarda, que ele também saudou pelo nome:
- Olá Abramalech. Vim para falar com Lúcifer.
- Entre Samael, ele o está esperando. – disse o monstruoso demônio, enquanto abria o portão para que o antigo comandante entrasse.
No suntuoso saguão interno, Samael encontrou Lúcifer, sentado em seu imponente trono de jade, incrustado de diamantes e rubi, ladeado por suas quatro esposas: Lilith, Mochlath, Naamah e Aggarath. As duas primeiras o fitaram com interesse, pois que ambas já haviam sido suas esposas também há era atrás. Porém, ele não se deteve a analisá-las demoradamente, ajoelhou-se e dirigiu-se ao senhor do inferno:
- Lorde Lúcifer, assim como já esperava minha chegada, presumo que já conheça o motivo de minha visita.
- Sim Samael, já sei o que vieste buscar e aviso de antemão que perdes tempo. Seus esforços seriam muito mais bem empregados na busca da realização de sua missão que em vir até meus domínios importunar-me.
- Mas lorde Lúcifer, não posso fazer o que me pedes. Não posso ferir a menina...
- Sabe Samael, foi esse tipo de atitude que o levou a ficar escondido no Vale dos Sentinelas por séculos, com medo do que eu e seus irmãos poderíamos fazer contra você. Você tem o péssimo hábito de se apegar aos mortais.
- Longe de mim questioná-lo milorde, mas também tu não escolheste dentre os mortais, três de suas esposas?
- Porém antes, fiz delas imortais poderosas e antes ainda, gerei nelas nefilins que foram o orgulho de sua raça. Só lhe peço isso, que gere na menina um nefilim macho, apenas um será o bastante, depois podes fazer dela e de ti o que quiseres.
- Mas e se o nefilim gerado for fêmea?
- Aí tentarás uma vez mais, até que finalmente consigas o nefilim que tanto precisamos.
- Mas ela será perseguida pelos anjos, sabes disso.
- Por isso a esconderemos aqui, para que aqueles malditos não coloquem as mãos nela.
- Ela pode ser morta no meio de nossos conflitos ou até mesmo ao dar a luz à criança. Além disso, sua alma seria comprometida. Não posso correr esse risco. Eu a amo e desejo viver com ela.
Mochlath arregalou os olhos e pareceu perder o ar por um instante ao ouvir tal declaração. Enfurecida, Lilith pôs-se de pé e começou a esbravejar:
- Como ousa questionar as ordens de meu marido, Samael?
Lúcifer interveio e ordenou que sua esposa se sentasse, calmamente voltando-se para o anjo caído, que humildemente permanecia prostrado à sua frente.
- Creio que tens uma contraproposta a oferecer-me. Gostaria de ouvi-la.
- Eu pensei em reunir meus filhos a seu serviço. Poderíamos rapidamente criar um exército de criaturas da noite e usá-los em lugar dos nefilins. Seria um trabalho mais rápido, mais fácil e que atingiria os mesmos objetivos.
- Seus filhos? Acaso refere-se aos íncubos e súcubos, aquelas criaturas horrendas às quais deste origem ao unir-se a minha amada Lilith nos primórdios da criação quando ela ainda era uma mera mortal?
- Sim, milorde. Bem sabes que um único íncubo é capaz de gerar dezenas de vampiros num curto espaço de tempo, seria algo muito mais rápido que gerar hordas e hordas de nefilins e com o mesmo resultado final.
O antigo anjo de luz refletiu por um instante, antes de tornar a falar:
- Não vejo por que eu não poderia ter uma coisa e outra. Poderia ter o exército de vampiros e ainda a minha legião de nefilins.
- Por favor milorde, abra mão da menina.
- Samael, os termos são os seguintes: Ou leva sua missão a cabo e engravida a menina, ou ordenarei que a tragam até aqui e a entregarei aos meus servos mais fiéis para que façam o que és incapaz de fazer.
- Não mestre, eu imploro, isso não!
- Então concorda em cumprir sua tarefa?
- Não, não posso comprometer a alma dela. Ela merece ir para o céu.
- Façamos o seguinte: Nergal, Baallberith, Gadrel e Asmodeu o levarão para as masmorras, onde terá a oportunidade de pensar melhor sobre esse assunto.
Ao término dessas palavras, quatro demônios, que montavam guarda nos cantos do castelo, aproximaram-se de Samael, a fim de aprisioná-lo, porém, o anjo caído não pretendia entregar-se tão facilmente. Rapidamente alçou voo, buscando atingir uma das janelas que abria-se lá no alto de um das torres. Contudo, Nergal agilmente acompanhou seu voo e agarrou seu tornozelo. Samael sacou sua espada e atingiu a mão do oponente, que o soltou, mas então foi a vez de Baallberith agarrá-lo, imobilizando suas asas, comprimindo o corpo contra o seu. O anjo caído ainda tentou atingir o inimigo com a espada, porém, Asmodeu a arrancou de suas mãos. Não dando-se por vencido, Samael atingiu a virilha deste com o joelho e também com um soco na cara, fazendo o demônio arquear-se de dor. Por fim, Gadrel surgiu com uma espada reluzente, feita de aço e transpassou o peito de Samael, que antes de render-se à inconsciência, ainda teve tempo de balbuciar um nome:
- Ester...