Prólogo de Limiar


PRÓLOGO



            Uma luz ofuscante invadiu o cativeiro dos anjos sentinelas, nas profundezas do deserto de Dudael, retirando-os de seu estado de torpor, no qual encontravam-se imersos há séculos. Isolados em suas celas, eles aguardavam pelo dia do julgamento final, quando finalmente seriam libertos, apenas para serem lançados ao fogo, conforme os preceitos divinos.

            Havia, porém, um dentre eles, que ali estava por opção, não estava preso por grades nem por determinação de Deus, mas sim para salvaguardar sua própria vida, estava ali, escondido de ambas as facções, que queriam sua cabeça: tanto anjos quanto demônios. O belo anjo - o mais belo dentre todos os anjos que já existiram – encontrava-se absorto, recostado a um canto escuro, divagando sobre seu destino incerto. A luz que invadiu o escuro e profundo desfiladeiro, chamou-lhe a atenção, invadindo sua alma de terror. Sabia de onde, ou melhor, de quem ela provavelmente provinha e porque estava ali. Após tantos anos de espera, sua hora finalmente chegara.

            Manakel, um dos anjos incumbidos de guardar a entrada da prisão dos sentinelas, achegou-se a ele:

            - Tu tens visita.

            Engolindo em seco, o anjo levantou-se e lentamente abriu suas frondosas asas, alçando vôo, subiu velozmente os milhares de metros que separavam o lúgubre cativeiro dos sentinelas da superfície da Terra. Sabia que se não atendesse àquele chamado de bom grado, nem os anjos guardiões do cativeiro, tampouco os sentinelas poupariam sua vida. Eles suportavam sua presença ali, simplesmente porque isso não os afetava em nada, porém, com a possibilidade de terem o local invadido por demônios à procura do anjo, eles não hesitariam em matá-lo com suas próprias mãos, a fim de evitar um confronto desnecessário e indesejado por todos. 

A luz do sol incomodou sua retina, quando ele finalmente saiu da escura e úmida caverna, acostumada a viver por tanto tempo na escuridão, mas mesmo essa era uma sensação agradável, após tanto tempo escondido. A sensação do vento batendo em seu corpo, por entre suas asas, era deliciosa. Mesmo naquele derradeiro momento, um sentimento de prazer por finalmente estar livre o invadiu.

            - Olá, anjo da morte – saudou uma figura humana, imersa numa gigantesca bola de luz e energia.

            - Olá, estrela da manhã. – saudou o anjo, de má vontade – O que fazes aqui?

            - Ora, ora, isso é jeito de cumprimentar seu velho amigo e general, após tanto tempo? Sabes todos os riscos que corri para chegar até aqui?

            - Sei que deve haver um bom motivo para isso.

            - Sim, é claro que há, mas não aquele que imaginas. Não vim aqui para matá-lo. Não faria sentido, após todos esses anos. Além disso, seria mais divertido vê-lo definhar pela eternidade neste buraco, que é o que merece após sua omissão e traição a seus irmãos e a mim.

            Pousando numa rocha, o anjo suspirou, enfadado. Estava cansado de fugir, de se esconder, mas sobretudo, estava cansado dessas longas e encolerizadas acusações, da qual era alvo há milênios.  

            - Vim propor-lhe um acordo. – disse o ser luminoso, aproximando-se dele.

            - Que espécie de acordo? – quis saber, desconfiado.

            - Você faz um pequeno serviço para mim e eu ordeno aos meus jinnis que o deixem em paz, que esqueçam tudo o que nos fez. Que esqueçam não apenas sua traição, mas também sua omissão no momento em que mais precisamos de ti.

            O anjo ergueu uma sobrancelha, numa expressão de dúvida. O ardiloso senhor dos demônios continuou sua fala:

- Será um pequenino favor. Algo extremamente fácil para você, o mais belo e sedutor anjo que nosso pai criou. Aquele que não deveria ter sido denominado anjo da morte, mas talvez, anjo do amor. – concluiu, com um sorriso adulador e ao mesmo tempo zombeteiro.

Após longo momento de reflexão, o anjo perguntou, com os olhos fixos no chão:

- Que queres que eu faça?

- Ah, coisa pouca. Uma bobagem.

O anjo ergueu a cabeça, encarando o antigo general.

- Certamente lembra-se de Lilith. – o demônio principiou seu discurso.

- Não é por causa dela que estou aqui, neste lugar imundo, apodrecendo, caçado pelos meus antigos companheiros?

Sorrindo, o demônio continuou:

- Pois bem, com certeza também sabe da lenda dos sentinelas e dos descendentes dela.

O anjo assentiu afirmativamente.

- Deve saber também que durante todo esse tempo, tentamos retomar o plano dos sentinelas, mas fomos impedidos por um anjo de ordem menor.

- Leuviah. – concluiu o anjo, sem emoção.

- Sim – concordou o demônio, com uma clara expressão de desagrado ao ouvir o nome do fiel anjo do Senhor que vinha frustrando seus planos há séculos – E agora, resta-nos apenas uma chance. Uma última esperança. E eu espero poder contar contigo, velho amigo, para aproximar-se dela. Leuviah não poderá impedi-lo, pois que tu pertences a uma casta superior, ele não é páreo para ti, tampouco se atreveria a tentar. Além disso, como eu disse, és o mais belo dentre todas as criaturas que Deus criou e mulher alguma resistiria aos seus encantos. Os humanos são seres facilmente corruptíveis e se deixam enganar pelas aparências mui facilmente, como bem o sabes.

O demônio esgueirou-se por trás do anjo, achegando-se aos seus ouvidos:

- Imagine, poder ser livre outra vez e desfrutar de todos os prazeres que este mundo pode oferecer. Não poderás retornar à nossa antiga morada, é claro, mas poderás andar sob o sol, banhar-se no mar e voar por aí, fazendo o que bem quiseres. Estou disposto a perdoar-te todas as faltas cometidas contra mim. Vês como sou muito mais piedoso que nosso pai, que nos expulsou e fez os outros anjos, nossos irmãos, voltarem-se contra nós, em favor desses desprezíveis seres humanos?

- Ainda querendo igualar-se a nosso pai, Lúcifer? Ainda não te convenceste que não há ninguém como Deus?

O demônio bufou com desprezo: - Mas ainda provarei à Ele que os humanos são uma raça inferior e que não merecem o seu apreço e amor.

- E justamente tu queres falar em perdão, quando não consegues, mesmo após tanto tempo, esquecer-se que Ele deu predileção a essas criaturas ao invés de dá-la a nós?

- Não me provoques, anjo da morte. Foi por esse tipo de atitude que ficaste apodrecendo todos esses anos nesta vala, tão indigna de ti. Queres ou não a chance que estou te oferecendo?

Pesaroso e contrariado, o anjo suspirou e concordou enfim: - Qual é o nome da menina?

Lúcifer abriu um largo e satisfeito sorriso, pois sabia que com a ajuda do relutante anjo, finalmente seus planos teriam êxito.      

   

             



                  

2 comentários:

  1. Minha Professora é demais, Boa sorte com seu livro .

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  2. Meu Deus! Já sou sua fã! Pelo prólogo eu sei que vou me a-pa-i-xo-nar! Agora é só ver por qual dos anjos, né? rsrsrs ;)


    Beijokas

    Karol Araújo
    fa-clube-angels.blogspot.com

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